Educação

Aplicação do ensino afro-brasileiro nas escolas continua longe do ideal

Vinte anos após a Lei 10.639, dificuldades e entraves no cumprimento das diretrizes educacionais permanecem semelhantes

Ítalo Santos - DP - Ana Borges é professora da disciplina de Neabi no Colégio Municipal Pelotense

Por Victoria Fonseca
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(Estagiária sob supervisão de Vinicius Peraça)


Promulgada em 2003, a lei que tornou obrigatório o ensino da cultura e da história afro-brasileira nas escolas públicas e privadas, desde o Ensino Fundamental até o Médio, completou 20 anos. Após o longo período de vigência da legislação que busca difundir a importância das contribuições negras na sociedade, o quadro atual ainda é de dificuldades para a eficiente implementação. O que contrasta com a dedicação de profissionais às práticas pedagógicas para formar alunos e novos professores conscientes.

Fruto de anos de lutas sociais em busca de representação em um sistema educacional pautado muitas vezes com foco no eurocentrismo, a Lei 10.639 inseriu nos componentes curriculares o ensino voltado ao reconhecimento e à valorização da diversidade de identidades, histórias e culturas da população negra brasileira e de seus ancestrais. A partir de então, os conteúdos de todas as disciplinas deveriam ser compostos de matérias dessa diretriz.

Entretanto, conforme especialistas, na prática, isso está longe de ser realidade em muitas instituições de ensino. “Desde de sempre [a lei] sofreu represálias e acabou tendo que lidar com resistências, porque professores podem e são racistas”, diz o professor e presidente da Comissão de Igualdade Racial da OAB-RS, Fábio Gonçalves. Um exemplo das dificuldades para o cumprimento da lei nas escolas e na academia partiria ainda por parte de docentes de Ciências Exatas. “Diziam que não tem como tratar história afro-brasileira nos currículos porque as áreas de Exatas lidam com números”, relata.

Estrutura e qualificação
Aliada a falta de interesse por parte de alguns profissionais, também há o despreparo de coordenações educacionais, a falta de estrutura adequada nos ambientes escolares e de referências bibliográficas, de acordo com o diagnóstico de Gonçalves. “Tudo isso também se transfigurou em entrave”.
Apesar da existência de centros e docentes dedicados à instituição efetiva do ensino africano e afro-brasileiro, o trabalho dessa parcela minoritária da comunidade educacional não é capaz de garantir o efetivo cumprimento da lei. “Passados 20 anos, é uma excepcionalidade os ambientes quererem tratar dessa questão”, avalia Gonçalves.

Dedicação
“Na minha geração quando nós estudamos, só vimos os negros enquanto descendentes de escravizados.” A recordação é de Rosemar Lemos, que se dedica a colocar em prática as diretrizes da Lei 10.639 há mais de 15 anos. Professora doutora e arquiteta, conta que começou a lecionar abordando a história, arte e cultura negra nas disciplinas de Geometria Descritiva, Química e Matemática. “Ou seja, não tinha relação nenhuma com História, nem com Geografia”, conclui, apontando a grande gama de possibilidades em que a lei pode ser colocada em prática.

Coordenadora do Museu Afro Brasil-Sul da UFPel, espaço dedicado à história e patrimônio cultural afro-brasileiro, Rosemar mostra livros didáticos e outros materiais desenvolvidos e disponibilizados pela Fundação Palmares. Ela destaca que iniciativas como essa são importantes justamente devido à ausência da divulgação do trabalho e das contribuições importantes de pessoas negras para a sociedade. “Toda a base da civilização se encontra na África, parte do interesse e da pesquisa. Vivemos em uma comunidade em que mais de 50% da população é negra.”

Ensino lúdico
Antes de ser docente na UFPel, Rosemar foi professora na Escola Estadual de Ensino Médio Areal, onde desenvolveu atividades voltadas para o ensino afro-brasileiro de forma lúdica. Conteúdos com referências a personalidades negras eram ministrados por meio de gincanas, concursos, campeonatos esportivos e festivais de cinema. “Tudo parte do interesse e entusiasmo de buscar seguir a lei. Inclusive aqui de Pelotas, que temos muito na música e teatro, e não falar somente das Charqueadas, que acaba parando lá no século 19 e não se fala do 20 e nem do 21”, afirma.

Mas para essas realizações educacionais, a pesquisadora ressalta que foi necessário também comprometimento da direção, supervisão pedagógica, professores e alunos. Na universidade, umas das contribuições da professora para o cumprimento da Lei 10.639 foi a criação da disciplina Arte e Cultura Brasileira, lecionada em cursos como Artes Virtuais, Teatro, Fisioterapia e Teatro, assim como é disponibilizada uma vez por ano no banco universal para todos alunos da UFPel. “É uma forma de reduzir a força do racismo.”


O aprendizado

No 2º ano do Ensino Médio no Colégio Municipal Pelotense, Antonela Pereira, 18, cursa a disciplina de Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas (Neabi). Para a adolescente a “eletiva”, matéria do regime de escolha dos estudantes, foi mal planejada, mas é composta de bons conteúdos. “Matérias como a Neabi não tiveram tanta repercussão quanto eu achei que teria, teve poucos alunos. Mas foi muito importante para ver a cultura afro-brasileira e indígena”, afirma.

Ela conta ainda que só foi começar a ter mais acesso a estes conteúdos somente no Ensino Médio e em disciplinas optativas. “Quando se fala, normalmente é em História e só sobre a parte ruim. Nunca é falando sobre autores, pintores e todos os aspectos gerais”, conclui.

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